quarta-feira, 27 de julho de 2011

Dividido

Ele para e admira o horizonte, sente-se em paz
Ali, nas montanhas, percebe que existe harmonia na vida
O farfalhar das folhas ao vento, o canto dos pássaros
O leve som das correntes de água que percorrem os recantos das pedras
São tantos aspectos que o atraem àquela vida
Quase se perde em meio a tanto fascínio e poderia muito bem
Esquecer de respirar o mesmo ar que tanto o falta quando suspira

Ah! O ar fresco e puro das montanhas
Sempre foi um homem de um lugar só
Finca suas raízes tão profundamente
E a todos confessa que dali não pretende se mudar
Aprendeu a conferir o valor devido à terra que o acolhe

Mas então, precisa viajar e o litoral será seu destino
Certo dia observa o mar e toda sua intensidade
É para ele tão imponente e misterioso
A atração ali, também parece clara, ele não pode negar
Tenta, mas aos poucos percebe que algo vinha lhe faltando

Cada uma de suas células excita-se mais e mais
Sempre que a idéia de mergulhar lhe vem à mente
Sob o sol forte à beira-mar e o aroma de maresia
Descobre este outro mundo que também o cativa
E por um breve momento, surge um novo conceito em seus pensamentos
Imediatamente se repreende por sequer ter cogitado
Deixar de vez as montanhas onde encontrou tamanha felicidade

Define que seu retorno será em breve pois já sente
Uma saudade alastrando-se por seu peito
Quer voltar a sentir toda quietude e tranqüilidade das montanhas
Relembrar seus prazeres e retirar de sua mente
Qualquer dúvida que parece ter se apresentado

É surpreendido entretanto quando se senta na areia para despedir-se
Parado ali enquanto tem apenas as ondas em sua visão
Pode sentir como se o mar falasse com ele
Estivesse completamente focado em conquistá-lo
E fizesse questão de mantê-lo sempre por perto

Percebe enfim o que lhe faltava durante todo o tempo
A sensação de pertencimento, de que ali não apenas ele desejava
Mas também era desejado, de que ali não apenas ele admirava
Mas também era admirado, e de repente ele sente partir-se em dois
Como o dia e a noite, tão opostos, mas interligados pelo crepúsculo e a aurora

A saudade das montanhas permanece, ele não se esqueceu
Não se apagaram as memórias das noites ao pé da lareira
Ou das manhãs enevoadas que trouxeram tanta plenitude
Não é fácil para ele, dizer que provavelmente será apenas um visitante
Gostaria se fosse possível, de não ter que fazê-lo
Gostaria se fosse possível, de ouvir o vento convidando-o para ficar
Sabe que é o que precisa para ali sentir-se completo uma vez mais

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sem o que procuro, mas com o que preciso

Existe para você um local no qual se sente completamente absorvido por seus pensamentos, ou quase? Onde por explicações desconhecidas você pode alinhar cada recanto dos seus devaneios e organizá-los de uma forma que lhe faça enxergar algo que estava ali o tempo todo, mas você não viu? Neste local não existem obrigações, não existe amanhã, as horas poderiam muito bem ser minutos e por alguns segundos você pode até mensurar cada sensação que o conduziu até aquele ponto. Nele você pode bater suas asas melhor que em qualquer outro lugar pois esquece todo o peso do mundo no chão. Ele existe para mim, e gosto de ir até ele sempre que preciso pensar, ler, ouvir ou simplesmente respirar de uma forma capaz de me ajudar a reencontrar minha paz interior. É o local desta foto ao lado, a pedra do arpoador. Gosto de encostar ali e simplesmente me deixar levar pra dentro das camadas mais profundas de minha mente.
Estive lá há poucos dias para tentar compreender certas adversidades que me ocorriam. Pensei, li, ouvi e respirei, perdi a noção do tempo enquanto pairava meus olhares nas linhas do horizonte se fundindo às águas do mar sob os já leves raios solares do final de tarde. Desta vez no entanto, diferentemente de ocasiões anteriores, algo me ocorreu de forma que não esperava me trazer tanta tranqüilidade. Não encontrei a resposta que procurava. Sentado enquanto repassava cada linha de pensamento até então infrutífera em sua busca por alguma resolução satisfatória, me dei conta de que havia negligenciado minha própria forma de compreensão do mundo, entendo que não é possível compreender tudo que se passa em nossa existência.
Nós, homens da atualidade, estamos tão acostumados a descobrir, medir, controlar e explicar que acabamos por esquecer que determinados eventos de nossas vidas não são feitos para serem compreendidos. Eles simplesmente ocorrem, reviram nossa existência como furacões, dissipam-se no ar deixando apenas os destroços como prova de sua passagem. Por que é preciso dar significado a tudo que nos ocorre? Por que tanto se aflige ao desconhecer a resposta para certas perguntas? E talvez mais que qualquer outra pergunta, por que sentir-se tão desamparado sempre que nos damos conta que não controlamos o desenrolar de certos eventos? Por mais que eu já tenha me deparado com tais questionamentos e concluído que somos capazes de tomar às rédeas apenas de uma parcela de todas as experiências que vivemos, algo parece adormecer minha memória e volto a me frustrar sempre que uma situação se encaminha pelo lado oposto à minha expectativa. Talvez esta seja uma emoção humana tão inerente e incontrolável que não me permita reagir de outra forma, posso entretanto remodelar todo meu repertório de reações a partir desta.
Em meu local de reflexão, não encontrei a resposta que procurava, acabei sim por encontrar a que precisava. Não compreenderei e não terei certeza de todas as respostas pois o que acontece na vida me escapa em vezes. Me desgastei ao focar meus esforços em descobrir porquês e comos quando na verdade deveria ter apenas deixado o curso natural dos acontecimentos me mostrar de que forma seguir. Esta sim a nuance existencial que em minha opinião deveria receber mais crédito. Claro que não pretendo defender o abandono total à procura dos sentidos dos fatos, sei tanto quanto qualquer outro da importância deste entendimento em determinadas situações. A questão na verdade recai exatamente sobre a capacidade de se desprender da sensação de domínio absoluto sobre todos os eventos para poder seguir em frente. Se algo ocorre e não é possível conceber suas bases para que seja possível enfim compreender e significar nossos sentimentos e ações, driblemos então todo o processo e aprendamos a nos conduzir passo a passo no escuro. Esqueçamos qualquer medida ou controle sobre os fatos que se seguirão, aproveitando cada situação como ela se apresenta. Ignoremos todo sentido de expectativa e continuidade para conferir atenção exclusiva ao inesperado e temporário. E, se você for como eu, reconheçamos que não somos nós que fazemos o caminho, e sim o caminho que nos faz, afinal, vivemos sob a soberania do improviso.


                   "Anyone who lives within their means suffers from a lack of imagination."
                                                                                                   Oscar Wilde

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Irreverente

Saudades de quando as luzes da cidade quase ofuscavam minha visão e traziam à tona uma espécie de tesouro prometido. Miragens nostálgicas de desejos há tempos guardados nas gavetas da memória de um sonhador insuperável. Quando o brilho incandescente o faz conhecer lugares que existem apenas em suas fantasias...
Hoje, porém, estas luzes me parecem tão fracas e trêmulas, mal posso enxergar a profundidade do caminho à frente. Não, não são as luzes que sabotam minha visão, mas meus próprios olhos, entorpecidos na areia do que deveria ser e não é. De fato triste, o dia da descoberta que somos escravos do inevitável, que nossos esforços serão limitados, não importando nosso empenho...
Escravos? Recusarei tal papel. Reconheço o caminho oferecido a mim e a opção de tomá-lo ou refutá-lo. Mas sei também que independe da escolha final, pois é minha compreensão que define sentido à experiência. Se o que deveria ser e não é passa por mim retirando a luz, serei então meu próprio rochedo e farol. Minha jornada nunca será tão longa que não desejarei percorrê-la e se meu tesouro prometido não está aqui, o encontrarei lá.