segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Epifanias e cinéfilos

Você decide se dirigir a determinado lugar e ao chegar você nem percebe se perder nos próprios pensamentos. Seus olhos estão abertos, mas você não está atento a praticamente nada ao seu redor, muito porque na verdade é quase como se você estivesse olhando mesmo é para dentro de si. Cada palavra passando pela sua mente parece enunciada num tom leve porém extremamente definido. Você já esqueceu o que havia feito você se dirigir até ali, ou quem sabe ainda não tenha notado que aquele motivo predecessor não é mais o guia do momento. Sente o piloto automático tomando conta de várias funções? Perde noção de tempo e espaço enquanto poderia muito bem estar posando para uma pintura de tão imóvel que seu corpo permanece? E de repente, CLICK! Hiperbolicamente, você quase poderia identificar as cadeias de sinapses se formando enquanto inúmeros estímulos elétricos enviam sinais para a liberação de endorfina no sangue pela hipófise. Isso, meu companheiro de leitura, é o que chamamos de epifania.
            Há alguns dias eu vinha escrevendo algo que remetia a um assunto completamente diferente. Lendo os últimos textos e poesias que postei, percebi que estava focando demais numa vertente existencial, talvez em muito emocional até. Havia decidido então que rumaria para uma discussão mais social no próximo texto e comecei a colocar em ordem algumas idéias que já passeavam pelo teclado do meu notebook. Já estava avançado nos argumentos que gostaria de compartilhar quando de repente, travei. Algo me ocorreu que não consegui de forma alguma terminar de desenvolver o que tratava no texto. Experimentei uma pausa rápida e fui até a cozinha beber algo, sem sucesso. Abri uma página do Google e pesquisei mais a fundo o assunto em questão para ter talvez alguma inspiração, nada de novo. Encarei a tela por mais alguns segundos sem conseguir digitar nem ao menos uma vírgula e por fim decidi que melhor seria terminar em outro momento. Colocando de lado o note, resolvi que assistiria algo para distrair minha mente recém-frustrada pela incapacidade de finalizar minha linha de pensamento. Vou passando a lista de canais e paro ao ver na programação do MAX o filme Cine Majestic. Minha reação foi quase que instantânea e mudei para o canal imediatamente, por sorte, peguei o filme apenas uns 5 minutos após ter começado.
Filmes brilhantemente dirigidos com roteiros que emocionam e arrancam risadas ao mesmo tempo sempre foram os meus favoritos, e The Majestic (título original) consta entre os 5 no topo da lista. Provavelmente próximo da 10ª vez que o assisti, impressionei-me nas mesmas cenas, admirei a composição dos mesmos personagens de sempre e certamente sorri e me emocionei com este belíssimo enredo da mesma forma que as anteriores. Até o último segundo de filme senti-me completamente inserido naquela fantasia, me encontrando em tal experiência e imaginando como seria observar aqueles personagens ganhando vida. Sou um cinéfilo e como todo cinéfilo que se preza, assisto inúmeras vezes o mesmo filme se este despertou em mim algo que antes não estava lá. Conheço todo o desenrolar da história, até mesmo a sequência de determinadas falas, e mesmo assim estes filmes me mantêm absorto em seus mundos. Extremamente intrigante para mim, perceber que todas as vezes que os assisto novamente sinto algo que não estava lá. Não como se eu tivesse esquecido o que senti antes, mas sim que sinto sempre algo além das vezes anteriores.
O filme terminou e preenchido por algo que eu ainda não conseguia delinear, levantei e fui outra vez a cozinha beber algo, eis então que me ocorreu, a epifania que inspirou este texto.
Por que eu deveria tampar meus ouvidos aos anseios existenciais do meu coração? Foi a pergunta que primeiro me veio. Convenção social talvez? Nesta ótica digamos que “meninos” não deveriam tratar demais destas questões. Para impedir que o blog caia numa espécie de mesmice rotineira? Ao final, rejeitei todas as justificativas. Li uma vez que um grande escritor escreve através das palavras que escuta de seu coração e apenas em função dele sua inspiração flui. Gigantesca falha minha não conseguir lembrar de quem é tão bela frase, e apesar de não ser nenhum escritor, fui aprendendo estes dias que ele(a) tinha a mais completa razão. Mas será que ele(a) se deu conta, como eu me dei conta, de que tudo isto vai além do escritor? De que o escultor esculpe através das imagens de seu coração, o compositor compõe através das melodias de seu coração e certamente de que o roteirista cria através das histórias do seu coração. Todos nós, seja em qualquer profissão, em qualquer realidade familiar ou social, devemos aprender a dar ouvidos aos anseios do coração.
Permitimos em certos momentos que nossos sonhos e desejos se emoldurem em quadros que podem apenas ser admirados na própria imaginação, sem qualquer expectativa de realização. Somos aplacados por alguns percalços cotidianos, pelos infortúnios de outras situações e acabamos por afastar tais sonhos e desejos para este plano tão longínquo. Se acordar um dia e se perguntar por que está vivendo algo que não parece satisfazer seu coração, talvez você esteja simplesmente esquecendo-se de lhe escutar. Pare alguns minutos, ouça suas palavras, suas melodias, suas histórias e quem sabe até vislumbre suas imagens. Seu coração tem tentado alcançá-lo para lembrar-lhe que ainda há tempo. Sempre há tempo, para encontrar sua verdadeira vocação, sua verdadeira paixão, para reparar erros, terminar o que foi deixado incompleto e principalmente, para buscar ser feliz de fato.
Aprendi assistindo a este filme e a tantos outros, a importância de procurar identificar e viver exatamente aquilo que trará a felicidade e paz de espírito que tanto busco. Mais que assistir, busquei inserir em minha compreensão de vida o que tais histórias anunciavam, quase como se fosse eu mesmo vivendo aqueles personagens. Não será possível suceder todas as vezes, mas este é exatamente um dos propósitos da vida. Reconhecer que o caminho é longo e apenas através da vontade do coração, alguém será capaz de encontrar felicidade plena, por mais breve que ela dure.
Espero que tenha lido até aqui e que este texto não tenha sido mais um dentre outros que possa ter lido e pouco fizeram sentido para você. Prometo que o próximo tratará de um tema completamente não existencial, meu coração agora está pronto para me ditar o que eu procurava escrever. E se você tiver a oportunidade, assista ao filme, na minha modestíssima opinião, trata-se de uma bela obra.

                                 "We think too much and feel too little".
                                                               Charlie Chaplin

4 comentários:

  1. Que coincidência! Não sei se já comentei com você, mas também escrevo. Hoje resolvi retomar um conto inacabado, e inacabado ficou pq travei, não me vinha nada... E hoje mesmo estava pensando nisso, de se ouvir, deixar-se transcender, escutar o que o coração diz... E então me veio a "epifania" (que por um acaso é título de um de meus poemas, um dos meus favoritos, diga-se de passagem) e parece que é uma chuva instantânea que clareia as ideias. Eu gosto quando me vejo em textos escritos, como se ele fosse inexplicavelmente pontual no meu momento. Adorei! E fez muito sentido para mim! :)

    ResponderExcluir
  2. Que ótimo Dandarinha! Quero ler seus contos e poesias também senhorita.. Mas é impressionante mesmo quando de repente, um estímulo ou uma determinada ocorrência vai lá e liga todas as chaves de inspiração que pareciam inacessíveis. E fiquei muito feliz também em saber que o texto acertou seu momento! ;]

    ResponderExcluir
  3. Tem algumas poemas meus no meu Face, nas minhas notas... São amadores, mas são de coração! rsrs :) Quando eu terminar meu conto eu posto lá também! ;)

    ResponderExcluir